sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Efemérides (5)...

A primeira corrida de atletismo

De acordo com o jornal Tiro e Sport a primeira prova de atletismo que foi realizada em Portugal disputou-se a 29 de janeiro de 1895, tendo sido organizada pelo Walkim Race Club de Algés, num percurso de 15km entre Paço de Arcos e Algés. Artur Santos seria o primeiro a cortar a meta.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A prata olímpica de volta a Portugal pela mão de uma outra e talentosa dupla de irmãos velejadores

Depois do atletismo a vela é a modalidade que mais contribuiu para o enriquecimento do desporto português no que diz respeito a medalhas olímpicas. País desde sempre ligado ao mar foi com naturalidade que nos finais do século XIX Portugal se apaixonou pela prática da vela, tendo mesmo sido criado para efeito o primeiro clube da Península Ibérica, quando corria o ano de 1856.

Com o passar dos anos os velejadores lusos foram aperfeiçoando a sua técnica, e os títulos internacionais - muitos, diga-se de passagem - foram chegando com naturalidade. O primeiro grande momento da vela lusitana já aqui foi evocado numa outra visita ao passado, quando no verão de 1948 os irmãos Bello (Duarte e Fernando) trouxeram a primeira medalha de prata olímpica para o nosso país. E curiosamente voltaria a ser uma dupla de irmãos a trazer de novo a prata olímpica para a nação lusitana na sequência de mais uma histórica aventura no maior evento desportivo do planeta. E é precisamente esse importante capítulo da história desportiva portuguesa que hoje vamos recordar. Mas para isso há primeiro que apresentar os heróis desta aventura lusa, os irmãos Quina, Mário e José Manuel.

Nasceram ambos no Estoril, sendo que José Manuel é mais novo 5 anos do que Mário - o primeiro nasceu em outubro de 1935, ao passo que o segundo viu a luz do dia em janeiro de 1930 - tendo iniciado a sua carreira de velejadores no Clube Naval de Cascais.
O mais velho dos Quina fez a sua primeira aparição olímpica em 1952, em Helsínquia, 4 anos depois dos irmãos Bello terem conquistado a prata em Londres. Na capital finlandesa Mário Quina (que foi 17º na classe finn) assistiu a mais um momento dourado, ou melhor, um momento de bronze, da vela portuguesa, na sequência do terceiro lugar alcançado por Joaquim Fiúza e Francisco Rebelo na classe star. E seria já na companhia do seu irmão José Manuel que Mário Quina voltou a marcar presença nos Jogos, desta feita em Roma, em 1960, onde ambos atingiriam o seu momento de glória.

Na baía de Nápoles - local onde decorreram as provas náuticas das Olimpíadas de 60 -, e tripulando um barco denominado de Má Lindo, os irmãos Quina igualaram o feito conquistado 12 anos antes pelos também irmãos Bello, ou seja, trouxeram para casa a medalha de prata, na sequência de um épico segundo lugar na classe star, sendo apenas batidos pelos soviéticos Timir Pinegin e Fyodor Shutkov. Mais de meio século depois Mário Quina recordou esse feito após uma homenagem da Associação de Atletas Olímpicos, levada a cabo em 2011: «Nós estávamos bem equipados, mas uma regata destas é sempre muito imprevisível. Nós mantivemos quase todo o tempo um andamento muito razoável. O russo fez um percurso completamente diferente de toda a gente e foi quem ganhou».
 
Inolvidável é igualmente o momento em que subiram ao pódio, para receber a rodela de prata. «A cerimónia da medalha de prata foi muito emocionante, um momento único da vida, que me marcou muito. Quando chegou a altura de chamarem por nós para o pódio sentimos um arrepio cá dentro como nunca sentíramos na nossa vida. A bandeira portuguesa foi arreada preguiçosamente, para momentos depois, ao som da marcha de continência, subir de novo para ficar a tremular, altaneira, mais bonita que nunca! Ao mesmo tempo chegou às nossas mãos aquela rodela de prata que tem para nós o valor de todos os diamantes do Mundo».
 
Os irmãos Quina (na imagem) voltaram aos Jogos 8 e 12 anos depois, respetivamente na Cidade do México (1968) e em Munique (1972), onde não lograram alcançar o final feliz de Roma. Mário Quina, que profissionalmente se tornaria num reputado médico especializado em gastreterologia, recorda que no México «usámos o mesmo barco que navegámos em Itália, mas a nossa prestação não foi tão boa. Já em Munique disputei as regatas na classe dragão (ao passo que o seu irmão competiu em finn), mas a falta de velas boas, especialmente a vela balão, comprometeu a nossa performance».
 
Aparte das façanhas olímpicas os irmãos Quina guardam no seu baú de recordações vários e importantes resultados internacionais, sendo que Mário foi medalha de bronze no Campeonato da Europa de 1965, tendo ainda obtido dois 5ºs lugares, na classe star, em Campeonatos do Mundo (1953 e 1959). Já José Manuel alcançou, também na classe star, dois 4ºs lugares em Campeonatos da Europa (1957 e 1967).

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Os "6 mosqueteiros" de Amesterdão

Se em 1924 contaram-se os tostões para levar uma delegação portuguesa aos Jogos Olímpicos, em 1928 houve fartura - monetária, pois claro - para alimentar os atletas lusos no seio da maior competição desportiva do planeta. Em Amesterdão - cidade onde decorreram as Olimpíadas de 28 - Portugal fez-se representar por um total de 29 desportistas, oriundos de 8 modalidades diferentes, entre as quais a esgrima, que procurava a merecida coroação internacional para a geração dourada da esgrima lusitana.

Quase todos militares de profissão os talentosos esgrimistas nacionais haviam estado muito perto de alcançar uma medalha nas duas edições anteriores dos Jogos, em 1920 (Antuérpia) e 1924 (Paris), tendo em ambas ficado... no quarto lugar, a um pequeno passo da medalha de bronze!

Com arte, engenho e sobretudo muita experiência acumulada os portugueses partiram para Amesterdão com a ambição de conquistar a tão sonhada medalha olímpica, e ali chegados não desiludiram quem neles apostou, tendo alcançado - novamente - a final na prova de espadas por equipas, sendo derrotada pela França (7-9) e pela Itália (6-9). Mas, desta feita, e contrariamente às duas edições anteriores, a competição foi desenrolada em sistema de poule, tendo o triunfo sobre a Bélgica (8/20 toques - 8/21 toques) feito com que os portugueses conquistassem, finalmente, a medalha olímpica, neste caso concreto, a medalha de bronze (a Itália ficou com o ouro e a França com a prata), facto que assinala - até hoje - o momento mais alto da esgrima portuguesa.

Para sempre ficarão pois gravados a letras de ouro os nomes dos seis mosqueteiros que subiram ao 3º lugar do pódio olímpico nesse memorável ano de 1928: Paulo d'Eça Leal, Mário Noronha, Jorge Paiva, Henrique Silveira, Frederico Paredes, e João Sasseti. 

Efemérides (4)...

Nasceu em Portugal o primeiro clube da Península Ibérica

Fundada pelo rei D. Pedro V em 1856 a Real Associação Naval de Lisboa é considerado o primeiro clube da Península Ibérica. A coletividade dedicava-se à prática de regatas, levadas a cabo não só pelos seus associados como também por diversos elementos da colónia inglesa radicada em Portugal.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Wrestling "super star"

Se existe modalidade em que a componente espetáculo vem acima de tudo essa modalidade é sem dúvida o wrestling, isto é, falando a língua de Camões, a luta livre. Fatiotas coloridas, rostos pintados, e nomes pomposos fazem parte de uma modalidade que hoje em dia não é mais do que uma espécie de teatro desportivo, onde os atores - os lutadores - criam um espetáculo de entretenimento simulando combates onde tudo vale para derrotar o adversário, desde arremessar cadeiras, ou bater com ferros, entre outros golpes que levam os espetadores ao delírio.

Hoje em dia é «tudo a brincar», como um destes dias dizia um avó ao neto que seguia com atenção pela televisão um combate da mediática World Wrestling Federation (WWF) norte-americana, mas... nem sempre foi assim. «Antigamente batia-se a sério», dizia o tal avó para o empregado do café onde presenciei este diálogo. «Lembra-se do Tarzan Taborda?», atirou ao emprego. Pois bem, é para falar sobre esta lenda da luta livre internacional que o Museu Virtual do Desporto Português abre hoje as suas portas. Albano Taborda Curto Esteves nasceu a 27 de maio de 1935, na Aldeia do Bispo, no distrito de Castelo Branco, e reza a lenda que em criança levava porrada de todos os seus colegas de escola. Verdade ou não é que Albano cresceu e tornou-se numa autêntica máquina humana invencível na arte de... dar pancada. Adotando o nome artístico de Tarzan Taborda efetuou os primeiros combates em Angola, derrotando nomes famosos da luta livre de então como Lobo da Costa, ou Leandro Ferreira.

Tornou-se num verdadeiro King Kong, invencível, e ainda recorrendo à lenda, dizem que lutou em mais de 4 mil combates sem nunca ter perdido um!!! Por quatro ocasiões foi campeão da Europa, enquanto que o título mundial foi seu em cinco ocasiões.
Nos anos 50, 60, e 70, a altura em que Tarzan Taborda dominou o mundo do wrestling, era comum ver locais como o Coliseu dos Recreios, Parque Mayer, ou o antigo Pavilhão dos Desportos a arrebentar pelas costuras na ânsia de ver o herói português em ação. Na década seguinte (80) a chama do wrestling apagou-se em Portugal, a modalidade perdeu fulgor e Tarzan Taborda partiu para outras paragens, o Médio Oriente, por exemplo, onde "atuou" especialmente para... Saddam Hussein.

Enquanto isso nos Estados Unidos o wrestling crescia a olhos vistos, e nos anos 90 os combates da WWF passaram a ser transmitidos pela TV portuguesa. Os comentários dos emotivos e espetaculares combates de Hulk Hogan, Rick Flair, Shawn Michaels, ou The Undertaker, os novos ídolos da modalidade, eram de Tarzan Taborda, que além de explicar em detalhe o que se ia passando na arena recordava "aqui e ali" alguns episódios marcantes da sua gloriosa carreira que terminou em 1981.

Para além de wrestler foi duplo de cinema, tendo contracenado com nomes como John Wayne, Alain Delon, ou Brigitte Bardot, e ainda deu um pezinho de dança como bailarino em Paris!
Em 9 de setembro de 2005 perdeu o seu único combate, o combate com a morte, que o atirou ao tapete (vitimado por um ataque cardíaco) quando contava com 70 anos de idade.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Os pesos pesados do halterofilismo nacional

Fazemos hoje uma viagem pelo universo de uma modalidade em que Portugal está longe de ser um peso pesado a nível internacional. Uma modalidade onde é exigida uma mescla de técnica, flexibilidade, coordenação, equilíbrio, e força, muita força, há que sublinhá-lo. Falamos do halterofilismo, cuja iniciação diz a história pertencer às primeiras civilizações terrestres. Seria, contudo, na segunda metade do século XIX que a arte de levantar a maior quantidade de peso possível conhece as suas primeiras competições organizadas, cabendo ao continente Europeu o papel de grande dinamizador desta modalidade.

Como já frisámos inicialmente Portugal está hoje em dia longe de ser considerada uma potência do halterofilismo planetário, conforme comprova a sua ausência - nas últimas décadas - dos grandes certames internacionais, com realce neste aspeto para os Jogos Olímpicos. Mas... nem sempre foi assim.
Para conhecer-mos o período dourado do halterofilismo português há que fazer uma longa viagem até ao início do século XX, onde efetivamente o nome de Portugal se fez notar além fronteiras. Halterofilismo que é considerada como uma das modalidades mais antigas a ser praticadas no nosso país, apontando os historiadores o ano de 1860 como aquele em que ela foi oficialmente introduzida em terras lusitanas.

Mas é só no início do século XX que surge aquele que muitos consideram como o grande nome do halterofilismo nacional, Manuel da Silveira (na imagem de cima). Nascido na Ilha do Pico (Açores) a 21 de outubro de 1867. Manuel da Silveira é aquilo a que podemos chamar de um... herói acidental. Assim o foi porque descobriu o seu enorme talento - e sobretudo força física - devido ao... reumatismo!

Emigrante desde muito novo, andou pelos Estados Unidos da América, e S. Tomé e Príncipe, regressando ao país natal em 1903, e com um problema de saúde às costas, o reumatismo. Consultando um médico foi-lhe dito que com algum exercício físico as dores que o atormentavam talvez o pudessem deixar sossegado. De imediato se inscreveu no Real Ginásio Clube Português, onde com 37 anos de idade se iniciou na modalidade que haveria de lhe conceder a imortalidade.

Revelou-se de pronto um levantador de peso excecional, tendo nos anos que se seguiram alcançado inúmeros recordes nacionais e... internacionais. Em Paris, no ano de 1908, bateu uma série de recordes mundiais, alguns deles só ao alcance de um autêntico super-homem. O destaque na capital francesa vai para o levantamento de um alter com 186,5kg, superando em 36,5kg o recorde mundial anterior!!!

Os sucessores

As façanhas de Silveira tiveram um forte impacto no nosso país, e nos anos seguintes outros atletas de peso, com peso e talento, para sermos mais precisos, seguiram-lhe as pisadas. Entre outros, destaca-se Francisco Padinha, algarvio (de Olhão) nascido em 1870, que à semelhança de Manuel da Silveira bateu vários recordes internacionais.

Sagrou-se recordista nacional (dévoleppé, com dois braços, 116kg; arraché à esquerda 72kg e levantamento do solo, 207kg), e posteriormente abraçou o Mundo após tornar-se campeão mundial na especialidade de flexão de coxas com barra apeada nos ombros, levantando 190,5kg, superando aqui o recorde de Silveira.
Depois destes dois enormes e volumosos campeões a modalidade começou a perder peso em Portugal durante as décadas de 30, e 40. Só nos anos 50 e 60 é que ela dá um ar da sua graça, daquilo o que havia sido num passado não muito longínquo, sendo aqui de destacar a primeira aparição de um atleta lusitano nos Jogos Olímpicos, mais concretamente Luís Ramos Paquete, que no entanto não foi além de um 19º lugar no levantamento de peso na categoria de 57kg.

Na década de 70 a modalidade como que voltou a desaparecer do mapa desportivo, e só em meados dos anos 80 a bandeira portuguesa voltou a surgir nos pódios internacionais, graças à força... feminina. Nesta década surgiram os primeiros grandes nomes do halterofilismo nacional feminino, com realce para Sara Duarte, e Eulália Romão. A primeira sagrou-se campeã da Europa em 1988, conquistando ainda duas medalhas de bronze nos campeonatos da Europa de 1989 e 1992, e uma medalha de prata no Europeu de 1990. Já a segunda arrecadou três medalhas de prata em campeonatos da Europa, mais precisamente em 1989, 1990, e 1992.

Voltando aos atletas masculinos é de sublinhar que também na década de 80 surgiu o nome de Francisco Coelho, que além de ter conquistado uma medalha de bronze nos campeonatos da Europa de 1980 chegou aos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, onde não iria além de um 13º lugar, quando as esperanças de alcançar uma medalha eram elevadas. Em Seul (1988) Paulo Duarte foi 14º, sendo que a derradeira - até à data - aparição lusa nas Olimpíadas remonta a Atlanta (1996) onde Nuno Alves trouxe para casa um 14º posto.
Depois disso seguiu-se uma nova e longa travessia no deserto...

Efemérides (3)...

A primeira corrida de bicicletas em solo português

1927 foi como já vimos o ano em que nasceu oficialmente a prova mais importante do ciclismo lusitano, a Volta a Portugal. No entanto, o fascínio pelas bicicletas, e no que às corridas diz respeito, remonta ao século XIX, altura em que no território nacional começaram a surgir as primeiras provas de ciclismo.
Segundo reza a história a primeira corrida data de 1885, tendo ocorrido no dia 17 de maio, no Hipódromo de Belém (em Lisboa), organizada pelo Real Club Ginásio.
A competição foi dividida em três especialidades, as quais foram vencidas por Domingos Bastos, Jorge Norton, e Carlos Bernes.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

As voltas da primeira... Volta

Em 2013 assinala-se a 75ª edição da prova rainha do ciclismo português: a Volta a Portugal em Bicicleta. É nos dias de hoje um dos eventos desportivos mais mediáticos da nação lusitana, agregando ao seu redor milhares de populares que todos os anos inundam as estradas nacionais na ânsia de vibrar com as pedaladas dos heróis velocipédicos. Um cenário que se vislumbra desde 1927, o ano em que tudo começou, o ano em que nasceu oficialmente a Volta a Portugal em Bicicleta.

A popularidade grangeada pelo ciclismo em Portugal remonta, no entanto, a algumas décadas antes do ano em que a Volta viu a luz do dia. Já em finais do século XIX a modalidade era bastante apreciada pelos portugueses, talvez devido ao facto de um dos primeiros grandes nomes do ciclismo internacional ter sangue lusitano. José Bento Pessoa, de seu nome, nascido na Figueira da Foz, em 1874, e que em maio de 1897 entrava para os anais da história após ter batido o recorde mundial de pista dos 500m numa prova internacional ocorrida durante a inauguração do velódromo de Chamartin, em Madrid. Este e outros feitos do atleta figueirense ganharam eco no nosso país, e já em pleno século XX surgiam com grande frequência provas de ciclismo em solo lusitano. O primeiro grande evento foi quiçá o Porto-Lisboa, que conheceu a sua primeira edição em 1911, ganha pelo francês Charles George, na época corredor do Louletano.

E precisamente de França chegavam histórias da grande corrida que anualmente concentrava as atenções do povo gaulês, o Tour, certame que reunia os melhores corredores do Mundo, e que na altura muitos dos filósofos desportivos diziam ser já o segundo maior evento desportivo do planeta, logo a seguir aos Jogos Olímpicos!
Perante estes e outros factos foi com naturalidade que surgiu a ideia de criar uma grande prova de ciclismo que tocasse os quatro cantos de Portugal, à semelhança do que se fazia em França.
Quanto ao pai da ideia ainda hoje a dúvida persiste quanto ao seu nome. Para muitos historiadores do ciclismo o jornalista Raúl de Oliveira foi o mentor da Volta. Na época a trabalhar no (jornal) Sport de Lisboa Oliveira deslocou-se em 1917 até França, integrado no Regimento de Transmissões que partiu para a I Guerra Mundial. Enquanto permaneceu em território francês maravilhou-se com o Tour, que acompanhou de perto, e na hora de regressar a Portugal lançou para o ar a ideia de criar uma prova semelhante por estas bandas. Para outros historiadores Raúl Oliveira foi apenas um dos três Oliveiras que esteve na génese da Volta a Portugal. Nesta segunda versão um homem do futebol é tido como o mentor da ideia, Cândido de Oliveira, de seu nome, enquanto Raúl de Oliveira e Mário de Oliveira - estes três homens para além do apelido tinham em comum o facto de serem jornalistas - são apontados como os concretrizadores da ideia de mestre Cândido. Bom, progenitores da ideia à parte o que é certo é que edificar a Volta a Portugal não foi uma tarefa fácil. Raúl de Oliveira, que quando regressou a Portugal foi chefiar a redação de Os Sports, pertença do Diário de Notícias, insistiu que o seu jornal deveria organizar uma competição semelhante ao Tour de França. Vendo a sua sugestão cair por diversas ocasiões em saco roto, decide ele próprio aplicar o prémio da lotaria que havia ganho na organização de uma prova velocipédica, bem mais modesta e pequena que o Tour, é certo, mas que haveria de mudar mentalidades!

Corria então o ano de 1923 quando Raúl de Oliveira criou a 1ª Volta a Lisboa, certame que seria coroado de êxito. Perante isto o administrador do Diário de Notícias, Beirão da Veiga, ficou finalmente convencido quanto à hipótese de ser organizada - pelo seu jornal - uma prova semelhante ao Tour francês, e assim em 1927 ia para a estrada a 1ª Volta a Portugal em Bicicleta.

A Volta a Portugal sai para a estrada

País pobre, Portugal não reunia na época as melhores condições para a realização de uma prova de estrada de longa duração como a que se pretendia erguer. As ligações entre as cidades eram paupérrimas, estradas de terra batida, muitas delas sem condições para circular um carro de bois quanto mais uma bicicleta. Mesmo assim a 26 de abril de 1927 os 38 ciclistas participantes fazem-se à estrada para dar início a uma longa aventura.

Com 18 etapas traçadas a prova teve início e fim em Lisboa, e desde cedo se assistiu a um emocionante duelo entre dois dos melhores corredores da época, António Augusto de Carvalho (que defendia as cores do Carcavelos) e Quirino de Oliveira (do Campo de Ourique). Este último ciclista venceu a etapa inaugural, que ligou Cacilhas a Setúbal, numa distância de 40,4km (a etapa mais pequena da Volta de 1927). A etapa seguinte - Setúbal-Sines (114,6 km) - seria ganha por Augusto de Carvalho, que assim retirava a camisola amarela ao seu rival do Campo de Ourique. Porém, Quirino de Oliveira estava numa forma estupenda, tendo vencido as seis etapas posteriores - Sines-Odemira (49,2km), Odemira-Portimão (86,2km), Portimão-Faro (65,8km), Faro-Beja (154,7km), Beja-Évora (82,2km), e Évora-Portalegre (122,3km) - e reconquistado assim a camisola mais desejada da prova.

E desta forma se manteve até ao momento em que o azar lhe bateu à porta. Antes, na 9ª etapa, que ligou Portalegre a Castelo Branco (numa tirada de 106,6km), o benfiquista Santos Almeida intrometeu-se na luta entre Carvalho e Quirino, ao cortar a meta em primeiro na chegada à capital da Beira Baixa. Na etapa seguinte, que ligou Castelo Branco à Guarda (112,9km), na qual foram experimentados os duros obstáculos da Serra da Estrela, Quirino de Oliveira sofreu um revés ao ficar sem o selim da sua bicicleta, galgando quilómetros e quilómetros (em subidas e descidas!) somente apoiado nos pedais! Tarefa heróica que seria premiada com mais uma vitória de etapa e mais do que isso Quirino continuava de amarelo. Poucos duvidariam que a mágica camisola pudesse fugir ao corredor do Campo de Ourique. Mas o azar teimava em acompanha-lo no percurso que muitos apontavam como vitorioso.

Na 11ª etapa, que ligou Guarda a Torre de Moncorvo (106,2km) o líder da prova tem uma queda aparatosa, facto que não só o impede de vencer mais uma etapa (da qual Santos Almeida saíria de novo vencedor) mas sobretudo porque o faz perder a camisola amarela para o seu principal rival, Augusto de Carvalho.
Antes do primeiro dia de descanso o ciclista do Carcavelos cimentou a sua liderança ao vencer as 12ª e 13ª etapas, respetivamente Torre de Moncorvo-Bragança (128,3km), e Bragança-Vidago (118,2km).

Após a 14ª etapa, que ligou Vidago a Braga (115,1km), ganha pelo camisola amarela, Quirino de Oliveira como que disse definitivamente adeus à vitória na Volta. Na 15ª etapa, entre Braga e Porto, numa distância de 113,7km, o ciclista do Campo de Ourique perdeu imenso tempo, e o braço de ferro pela vitória na prova passou protagonizado por Augusto de Carvalho e... Nunes Abreu. O ciclista do Leixões não só venceu a etapa cujo final ocorreu na cidade do Porto como também passou a envergar a... camisola amarela. Isto porque o azar voltava a bater à porta dos líderes, e depois de Qurino de Oliveira o ter sentido na pele na 11ª etapa foi agora a vez de Augusto de Carvalho provar do seu veneno.

Na ligação entre Braga e o Porto o corredor do Carcavelos teve uma avaria na sua bicicleta, perdendo desde logo imenso tempo, e mais teria perdido não fosse um popular que se encontrava na berma da estrada ver os corredores passarem ceder-lhe a sua pasteleira que o possibilitaria de concluir a etapa!
O reinado de Nunes Abreu seria muito curto, já que na tirada seguinte (Porto-Coimbra, numa distância de 117,2km) António Augusto de Carvalho recuperou o 1º lugar da classificação geral, não mais o largando até à etapa final, que ligou Caldas da Rainha a Lisboa (100km).

À chegada a Lisboa os corredores foram recebidos como heróis por um mar de gente que inundava a Avenida da Liberdade, onde a meta havia sido instalada. Levado em ombros pela multidão António Augusto de Carvalho (natural de Sintra) seria então coroado como o primeiro rei da Volta a Portugal em Bicicleta.

Legenda das fotografias:
1-António Augusto de Carvalho, o vencedor da 1ª Volta a Portugal em Bicicleta
2-O corredor nascido em Sintra (aqui levado em ombros pelos populares) terminou a prova com o tempo total de 79h08m00s, mais 9 minutos e 31 segundos que o 2º classificado, Nunes de Abreu
3-Os três primeiros classificados (da esquerda para a direita): Quirino de Oliveira, Augusto de Carvalho, e Nunes de Abreu. 38 ciclistas participaram nesta edição inaugural da Volta, mas apenas 26 terminaram a prova!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Tiro certeiro na prata olímpica!

Concentração, apurados conhecimentos técnicos, e claro, uma excelente pontaria, serão três das principais qualidades essenciais a ter em conta num bom atirador. Qualidades que nasceram com Armando Marques, quiçá o melhor atleta português de tiro de todos os tempos, ou pelo menos aquele que em mais ocasiões transformou o seu talento nato no manuseamento de armas em... títulos. Muitos títulos, para sermos mais precisos, sendo que alguns deles fazem parte do livro de ouro do desporto português. Mas já lá chegaremos.

Armando Marques nasceu a 1 de maio de 1937, em Algés, e desde muito novo se deixou encantar pelas armas de caça, muito por influência de seu pai, um apaixonado pela caça. Não foi pois de admirar que aos 9 anos de idade o jovem Armando desse - em jeito de passatempo - os primeiros tiros na companhia do seu progenitor. Mais a sério, e numa altura em que cumpria o serviço militar, participou nas primeiras provas, onde arrecadaria as primeiras medalhas da sua ímpar e gloriosa carreira.
Os títulos - em todas as disciplinas do tiro! - foram-se sucedendo com naturalidade, e seria com igual naturalidade que em 1964 alcançou o sonho de qualquer atleta planetário - seja qual for a modalidade -, o mesmo é dizer, participar nos Jogos Olímpicos. Tóquio, a capital japonesa, acolheu as Olimpíadas de 64, tendo a prestação de Armando Marques ficado um pouco aquém do seu talento e qualidade, já que não foi além de um 18º lugar na especialidade de fosso olímpico. Voltaria ao grande palco do desporto global em 1972, nos Jogos de Munique, onde na mesma especialidade ficou um lugar abaixo do obtido em Tóquio oito anos antes.

Prestações um tanto ao quanto modestas, atendendo ao facto de estavámos perante um atirador de alto gabarito, que terão pesado na altura de Armando Marques (na época atleta do Sporting Clube de Portugal) entrar em cena nos Jogos Olímpicos de 1976, realizados na cidade canadiana de Montreal. Nesta sua terceira aparição olímpica Marques nem sequer era apontado como candidato a ficar entre os 10 primeiros da especialidade de fosso olímpico, não só pelos seus anteriores desempenhos olímpicos mas sobretudo porque entre os 80 participantes figuravam alguns dos nomes mais sonantes do tiro da época, caso do norte-americano Donald Haldeman.

Contudo, no desporto nem sempre a teoria se confirma na prática, e o português Marques alcançou a merecida consagração internacional numa prova que se viria a revelar muito complicada para os atiradores em ação. Tudo porque a prova de fosso olímpico de 76 foi disputada sob condições climatéricas bastante adversas, pautadas por chuvas intensas e ventos fortes, condições essas que se viriam a refletir na performance da esmagadora maioria dos atiradores, inclusive do próprio Haldeman, que na primeira jornada obteve uma paupérrima pontuação de 190 pratos! Perante tais adversidades a luta pelo ouro olímpico foi muito disputada, sendo que para surpresa de todos Armando Marques estava no final da jornada inaugural do fosso olímpico a apenas dois pratos do líder!

O atirador português, que na altura contava com 39 anos de idade, e que profissionalmente dirigia uma casa de pneus, já que o tiro era uma paixão meramente amadora praticada nos tempos livres, entrou com tudo, como se diz na gíria desportiva, para a derradeira jornada da competição, tendo alcançado o segundo lugar do pódio final, ficando a apenas um prato da medalha de ouro (Marques contabilizou um total de 189 pratos), alcançada precisamente pelo norte-americano Donald Haldeman.
A medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 76 foi sem margem para dúvidas um momento de... ouro para o atleta português, que desta forma alcançava o maior feito desportivo da sua longa e rica carreira. Um feito que em Portugal foi festejado efusivamente, sendo até aos dias de hoje a única medalha olímpica conquistada pela nação lusitana no tiro. Armando Marques continuou no ano seguinte com a pontaria afinada, e no Campeonato do Mundo de Tiro, disputado em Antibes, subiu de novo ao pódio, após ter alcançado um novo segundo lugar. Ficava assim comprovado que a medalha olímpica de 76 não havia sido obra do acaso.

Em termos nacionais o atirador apresenta um currículo para lá de impressionante, sendo de destacar os 14 títulos de campeão nacional individual de fosso olímpico (em 1964, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1981, e 1982), 9 ceptros nacionais individuais em prancha (alcançados em 1967, 1968, 1969, 1970, 1973, 1977, 1978, 1979, e 1980), 2 campeonatos nacionais individuais de fosso universal (em 1963, e 1964), 4 campeonatos nacionais individuais de skeet olímpico (em 1969, 1974, 1978, e 1980), 2 Taças de Portugal de tiro em voo (em 1968, e 1978), ou uma Taça de Portugal em prancha (1967). Currículo invejável que lhe valeu algumas condecorações estatais, casos da Medalha de Mérito Desportivo, ou a Ordem de Cavaleiro do Infante.

Legenda das fotografias:
1-Armando Marques com a... pontaria afinada
2-Exibindo a medalha de prata conquistada nos Jogos Olímpicos de 1976

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O primeiro de muitos títulos de um "amor" que despontou há 100 anos atrás

Se existe modalidade em que Portugal se pode considerar o país mais rico no que concerne a títulos de alto gabarito internacional, essa modalidade é sem margem para dúvida o hóquei em patins. Títulos mundiais, europeus, torneios de enorme prestígio além fronteiras fazem com que a nação lusitana ocupe um lugar de destaque no hóquei patinado planetário. O hóquei em patins foi aquilo o que podemos chamar de uma paixão à primeira vista para o povo português, uma paixão travada há precisamente 100 anos atrás, no outono de 1912. No dia 15 de outubro desse longínquo ano o inglês Arthur Vleeschower, professor de patinagem, tentou pela primeira vez implantar em solo luso uma modalidade cuja origem remonta à Antiguidade Clássica, na Grécia, mas que em termos de modalidade desportiva como hoje a conhecemos surgiu nos finais do século XIX, em Inglaterra.

Voltando ao célebre dia 15 de outubro de 1912 digamos que os acontecimentos então verificados foram pautados por um certo desnorte, isto é, os intervenientes nesse ensaio não tinham grandes conhecimentos técnico-táticos, além de que os equipamentos eram para lá de rudimentares! Apesar de tudo a nova modalidade conseguiu desde logo despertar uma certa curiosidade e encanto entre os portugueses.
A chama da paixão começava a deflagrar. Nos anos seguintes foram pois várias as tentativas de dinamizar o hóquei, e em 1915 ocorreu em Lisboa aquele que pode ser considerado o primeiro jogo mais a sério de uma modalidade que haveria de trazer a Portugal décadas mais tarde tantas e tantas alegrias. Disputaram esse encontro duas equipas do (clube) Desportos de Benfica, que na época era o proprietário de um dos melhores rinques de patinagem do país, situado na Avenida Gomes Pereira, na freguesia lisboeta de Benfica. Equipados a rigor (vestiam camisola e calça) os jogadores de ambos os conjuntos interpretaram o jogo segundo as regras importadas do hóquei no gelo, adaptadas por Rogério Futscher, um dos grandes impulsionadores - e praticante - do hóquei patinado a nível internacional. Conta-se que na altura ainda não existiam as tabelas, sendo que os limites da pista eram substituídos por linhas brancas.

Em 1917 acontece em Portugal o primeiro confronto entre dois clubes diferentes. Frente a frente estiveram o Desportos de Benfica e o Recreio e Desportos da Amadora, que mediram forças no rinque do primeiro clube. Nos anos que se seguiram a modalidade cresceu em lume brando, digamos assim, disputando-se alguns campeonatos não oficiais sob a tutela do Sport Lisboa e Benfica, que entretanto havia criado uma equipa de hóquei em patins.

Até que em 1921 a modalidade conhece um enorme avanço em Portugal. É fundada a Liga Portuguesa de Hockey, e com regras do hóquei em patins internacional organizam-se os primeiros campeonatos oficiais, cabendo ao Benfica o estatuto de primeiro grande colosso da modalidade em terras lusas, já que entre 1925 e 1935 o clube encarnado dominou todas as provas disputadas.
Nos dez anos seguintes outros clubes começaram a impor-se e aos poucos foram acabando com o reinado dos benfiquistas, casos do Sporting, Futebol Benfica, e do Paço de Arcos.

Em termos de seleção nacional o primeiro grande momento aconteceu em 1930, ano em que o combinado português participou naquela que era até então a única competição de cariz internacional ao nível de seleções, o Campeonato da Europa. A Inglaterra era na altura a grande potência do hóquei europeu, tendo vencido com relativa facilidade os quatro primeiros Europeus (1926, 1927, 1928, e 1929), partindo para esta 5ª edição do certame como a principal favorita, senão mesmo a única favorita, à conquista do ceptro, algo que com... naturalidade viria a acontecer, e se viria a repetir durante os sete Campeonatos da Europa que se seguiram!

Depois destas 12 vitórias noutros tantos campeonatos realizados o hóquei patinado britânico deixou de reinar no Velho Continente (e no resto do Mundo), dando então lugar ao braço de ferro protagonizado por Espanha e Portugal, que ainda hoje se mantém com uma ou outra intromissão da Itália pelo meio. Mas é em 1930 que Portugal aparece pela primeira na alta roda do hóquei internacional, mais precisamente em Herne Bay. localidade costeira inglesa que acolheu o certame continental. Os poucos recursos financeiros que o hóquei lusitano tinha naquela época fizeram com que esta viagem até Inglaterra tivesse sido uma aventura recambulesca, cheia de episódios caricatos conforme relatou posteriormente Fernando Adrião, o então guarda-redes de uma seleção nacional que era constituída na sua totalidade por jogadores do Benfica, recorde-se a melhor equipa lusitana de então. «A ida a Inglaterra só foi possível porque houve um empréstimo de quatro contos de réis. O meu equipamento, por exemplo, não era reduzido - era antiquado: patins de adaptar ao pé, luvas de futebol, caneleiras de críquete. Uma vez um patim saiu-me do pé, atingindo a altura de um primeiro andar. Deixou os adversários em pânico! A comida era toda doce. Até bacalhau com doce comemos!». 

Seis anos volvidos a Alemanha dominada por Adolf Hitler acolheu a 9ª edição do Campeonato da Europa e simultaneamente a 1ª do Campeonato do Mundo. Passamos a explicar. Os Europeus de 36, 39, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, e 56 eram também considerados Campeonatos do Mundo, ou seja o vencedor do Europeu era também rotulado Campeão do Mundo, e vice versa, sistema que só findou em 1957, quando as duas competições foram separadas. Pois bem o 9º Europeu que coincidiu com o primeiro Mundial teve em Portugal uma das equipas sensação. Em Estugarda, debaixo de um ambiente para lá de hostil - a ditadura nazi ditava leis - os portugueses conquistaram a medalha de bronze, sendo superados apenas pela crónica campeã Inglaterra e pela vice-campeã Itália.
Este terceiro posto foi recebido com uma onda gigante de entusiasmo em terras lusas, e quando os jogadores chegaram ao Rossio (Lisboa) foram recebidos como verdadeiros heróis nacionais.

1947: o início do reinado lusitano

O hóquei em patins tinha conquistado definitivamente o coração dos portugueses, não demorando muito a ser considerada a segunda modalidade de eleição do país logo atrás do futebol.

A popularidade do hóquei crescia de ano para ano, e apercebendo-se disso o regime fascista que imperava em Portugal logo tratou de se agarrar à modalidade e dela fazer uma das suas bandeiras de propaganda política junto do povo. E a primeira - ou uma das primeiras - medidas que o Estado de Salazar decidiu levar a cabo foi trazer a Portugal o grande evento do hóquei em patins internacional da altura, o Campeonato do Mundo, que era também ao mesmo tempo o Campeonato da Europa. António Salazar tratou a "pão de ló" uma seleção nacional que estava habituada a viajar em «terceira classe, viagens envoltas em miscelânia de odores a galinha assada, peixe frito ou sardinhas de conserva, que causavam naúseas, passando, depois, pelo cheiro de corpos mal lavados», conforme recordaria um dos grandes hoquistas da altura, António Adão.

E em 1947 este cenário mudou por completo. Os jogadores passaram a usufruir de inúmeras mordomias patrocinadas pelo Regime Fascista de Salazar que até então não conheciam, e foi pois como verdadeiros lordes que levariam um país inteiro ao delírio na sequência da conquista dos títulos mundial e europeu. Lisboa, e o Pavilhão dos Desportos, acolheu uma competição dominada amplamente por uma talentosa seleção portuguesa, composta por lendas como Emídio Pinto, Cipriano Santos, Olivério Serpa, Sidónio Serpa, António Soares, Correia dos Santos, Álvaro Simões, e Jesus Correia, este último o atleta dos "dois amores", já que para além de um exímio jogador de hóquei era um fabuloso futebolista, tendo feito parte dos célebres "5 Violinos" do Sporting.

Imortalizados desde logo pelo povo lusitano os conquistadores do(s) primeiro(s) grande(s) título(s) do hóquei patins português receberam anéis de ouro, adornados com brilhantes e safiras, cigarreiras de prata, apólices de 50 contos contra acidentes pessoais, e até estojos de pó de arroz! Todo o país chorou de alegria com esta conquista, até o próprio António Salazar, que ao que parece não conteve as lágrimas assim que teve conhecimento que Portugal era campeão do Mundo. Um título repetido mais de uma dúzia de ocasiões nas décadas seguintes, assim como os de campeões da Europa, onde a seleção portuguesa é por esta altura a mais titulada, com duas dezenas de ceptros nas suas vitrinas.

Legenda das fotografias:
1-Seleção de Portugal que conquistou o Mundial (e Europeu) de 1947
2-A cerimónia de inauguração do Campeonato do Mundo (e da Europa) de 1947, no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, local onde decorreu o certame que coroou pela primeira vez os lusos como reis do planeta do hóquei

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

"Cheira bem... cheira a Lisboa!»

"Cheira bem... cheira a Lisboa", popular canção alfacinha entoada habitualmente nas marchas populares de Santo António que dão um colorido diferente à capital portuguesa todos os anos durante o mês de junho foi igualmente interpretada durante anos a fio nos pavilhões lusitanos onde atuava aquele que é considerado por muitos como o maior basquetebolista português de todos os tempos: Carlos Lisboa. "Cheira bem... cheira a Lisboa" era pois uma espécie de tributo a um homem que após a sua entrada em cena catapultou o basket lusitano para níveis nunca dantes alcançados, níveis não só de espetacularidade mas sobretudo de interpretação técnico-tática de uma modalidade cujo número de entusiastas e praticantes em Portugal aumentou, e de que maneira, após a sua chegada às quadras.

Carlos Humberto Lehmann de Almeida Benholiel Lisboa Santos, de seu nome completo, nasceu a 23 de julho de 1958 na Cidade da Praia, em Cabo Verde, na época colónia portuguesa, tendo aos três anos de idade mudado para outra das colónias africanas que por aqueles dias estavam sob a tutela de Portugal, neste caso Moçambique. Ali, o jovem Carlos travou conhecimento com aquela que viria a ser uma das grandes paixões da sua vida, o basquetebol. Reza a lenda que enquanto criança dormia com uma bola de basquetebol debaixo da sua cama, sendo que todos os dias a primeira ação que fazia assim que acordava era pegar no referido esférico e batê-lo no chão do seu quarto.
Iniciou a sua carreira desportiva no Sporting de Lourenço Marques, onde alinhou nos escalões de iniciados e juvenis. Até que em finais de 1974, após a independência das colónias lusas em África, Carlos Lisboa chega a Portugal (continental) na companhia dos seus familiares, onde prossegue o seu sonho nos juvenis do Benfica, clube onde anos mais tarde haveria de se tornar numa lenda, mas que nesta primeira passagem não permaneceu mais do que uma temporada, deixando o emblema encarnado com algum descontentamento por alegadamente ser pouco utilizado.
Mudou de clube mas não de cidade, permanecendo em Lisboa, mudando-se de armas e bagagens para o grande rival dos benfiquistas, o Sporting. Uma decisão muito influenciada por Mário Albuquerque, na época treinador da equipa de juniores leonina, e além do mais grande ídolo de infância do jovem Carlos Lisboa. Sem demoras os responsáveis sportinguistas reconheceram o enorme talento de Lisboa, não sendo de estranhar que ainda com idade de júnior (18 anos) fizesse a sua estreia no combinado sénior do Sporting! Na primeira temporada (76/77) de leão ao peito na elite do basket português Lisboa não venceu qualquer título, mas mostrou os atributos que viriam a fazer dele a maior estrela de todos os tempos desta modalidade em Portugal: rapidez, técnica, e um poder notável de concretização (em especial atrás da linha dos três pontos).

Os primeiros rugidos do leão Carlos

Na época seguinte não só confirmou a sua mestria como venceu os seus primeiros títulos oficiais de leão ao peito. Foi uma das peças fundamentais na conquista da dobradinha de 77/78, isto é, vitória no campeonato nacional e na Taça de Portugal, e ainda mais fundamental viria a ser nos anos seguintes, tornando-se desde logo na grande estrela do basquetebol do Sporting. Voltaria a vencer o título máximo do basket lusitano (o campeonato nacional) ao serviço do clube de Alvalade em mais duas ocasiões, 80/81, e 81/82, assim como uma segunda Taça de Portugal (em 79/80). Este seria sem dúvida o período áureo do basquetebol do Sporting, e muito devido ao contributo de Carlos Lisboa, a quem a Direção dos leões atribuíra em 1981 o Prémio Stromp, o mais alto galardão para atletas de alta competição dentro do clube.

Após este período dourado o base (a posição onde atuava preferencialmente) viu-se obrigado a mudar de ares, face à decisão do Sporting terminar com a sua secção de basquetebol, que tanta glória havia trazido ao clube durante a década de 80!

O já célebre atleta continuou então na Grande Área Metropolitana de Lisboa, optando pelo Queluz para dar continuidade à sua já brilhante carreira, tendo na altura recusado ofertas de clubes de outra dimensão, caso do FC Porto. E no clube do Concelho de Sintra a estreia não poderia ter sido melhor. Por si comandado o pequeno emblema sintrense arrecadou em 82/83 o primeiro título da sua história, a Taça de Portugal, após uma vitória épica - e renhida - na final ante o colosso Benfica por 86-85. Mas o melhor ainda estava para vir. Melhor do que nunca Carlos Lisboa conduziria na temporada seguinte o Queluz a nova coroa de glória, desta feita o título de campeão nacional. Notável.

Rei no Benfica com o sonho da NBA ali tão perto

Ter Lisboa era mais do que ter aquele que na altura era já indiscutivelmente o melhor basquetebolista nacional, era ter a oportunidade de conquistar títulos. E foi em busca de títulos que no verão de 1984 o Benfica fez de tudo para que Carlos Lisboa voltasse a vestir de encarnado. Uma batalha que seria vencida, e traduzida em êxitos imediatos na primeira temporada do basquetebolista ao serviço da equipa principal da Luz, quando venceu o ceptro de campeão nacional 84/85. A estrela de Lisboa brilhava a grande altura, e não terá sido de estranhar que em meados de 1985 tivesse estado muito perto de concretizar o sonho de qualquer basquetebolista à face da terra: jogar na NBA norte-americana, a maior liga do Mundo!

Ao longo de centenas de entrevistas dadas Lisboa recordou na primeira pessoa o momento em que esse sonho nasceu... e morreu logo de seguida: «Um dia recebi uma carta de um treinador norte-americano a manifestar interesse no meu concurso para um projeto de uma equipa que iria entrar na NBA. Na altura, falava-se da introdução de novas ‘franchises’ na Liga. Contudo, por razões que desconheço, o projeto não foi para a frente e o tal alargamento só veio a realizar-se anos mais tarde, com a entrada das equipas de Toronto e Vancouver». Nâo foi para a NBA, é certo, mas continuou por mais uma série de anos a fazer magia nos pavilhões portugueses e internacionais com as cores do Benfica. Dentro de portas ajudou os lisboetas a vencerem um total de 10 campeonatos nacionais (!), sendo sete deles de forma consecutiva - entre 1988 e 1995 -, bem como cinco Taças de Portugal, seis Taças da Liga, e cinco Supertaças! Palmarés impressionante.

Durante a década de 90 Lisboa fez do Benfica a melhor equipa de todos os tempos do basquetebol português, um autêntico dream team (equipa de sonho), onde era secundado por estrelas como Pedro Miguel, Henrique Vieira, Carlos Seixas, Steve Rocha, Mike Plowden, ou Jean Jacques. Ver aquele Benfica a jogar era ver não só o melhor basket que se jogava em Portugal como um dos melhores de toda a Europa, e a prova disso é que em diversas épocas o Benfica ombreou de igual para igual, sim, de igual para igual, com algumas das melhores equipas europeias de então, casos do Real Madrid, Partizan, Panathinaikos, Maccabi Tel-Aviv, Juventud Badalona, entre muitas outras que passaram pela Luz em épicos e memoráveis confrontos a contrar para a desaparecida Taça dos Campeões Europeus (mais tarde rebatizada como Euroliga). Nesses jogos europeus Carlos Lisboa como se transfigurava, levava o seu talento aos extremos, e consequentemente o público afeto ao seu clube ao delírio, em especial quando "aplicava" os seus quase infalíveis "tiros" de três pontos. Ao serviço da seleção nacional esteve em 103 encontros (43 dos quais pela equipa principal).

Colocou com ponto final na sua lendária carreira em 1996, mas sem dizer adeus à modalidade que o havia tornado célebre e que ele também havia tornado popular em terras lusitanas. Abraçou a carreira de treinador, primeiro no Estoril Basket, onde esteve durante uma temporada, até que em 96/97 volta ao seu Benfica para tentar, agora como treinador, repetir os êxitos alcançados não muitos anos antes. Não foi tão feliz, é certo, nos três anos em que ali ficou, acabando posteriormente por ingressar no Aveiro Basket em 2001, emblema nortenho que representou até 2004. E foi então que mais uma vez não resistiu aos apelos do coração, voltando de novo ao Benfica, desta feita para desempenhar as funções de diretor desportivo das modalidades ditas "amadoras".

Em 2011/12 foi desafiado a voltar ao terreno de jogo, isto é, treinar a principal equipa benfiquista no assalto a um título nacional que fugia já há longos anos para o rival FC Porto. E no regresso ao banco de treinador Lisboa não poderia ter sido mais feliz, já que viria a conduzir os lisboetas ao título de campeão nacional, conquistado no derradeiro jogo da final em pleno reduto do... FC Porto! Conquista memorável e saborosa, sem dúvida, para um homem que depois do futebolista Eusébio da Silva Ferreira é considerado como a grande figura do Sport Lisboa e Benfica. De tal modo que após o seu abandono enquanto atleta o Benfica decidiu retirar a mágica camisola número 7 da sua equipa de basquetebol, pendurando-a no teto do pavilhão, em sinal de homenagem perpétua ao "senhor basquetebol português".

Vídeo: Alguns lances de Carlos Lisboa

Legenda das fotografias:
1-Carlos Lisboa
2-Defendendo o Sporting
3-Atuando pelo Benfica 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Francisco Lázaro: o louco herói lusitano...

Assinala-se neste ano de 2012 o centenário da morte de um homem cuja personalidade era composta por uma mescla de loucura e heroísmo. Uma figura cuja bravura e paixão desafiaram as leis da vida, tornando-o num dos primeiros ídolos do desporto lusitano. Francisco Lázaro, o seu nome, o homem que morreu a correr a maratona, como ainda hoje é recordado nos caminhos da história desportiva portuguesa, o homem que encarava o desporto como uma questão de vida (triunfo) ou de morte (derrota).

Nasceu no bairro de Benfica, em Lisboa, a 21 de janeiro do longínquo ano de 1888, e seria nos princípios do século XX que haveria de ver o seu nome ascender ao patamar das lendas na sequência do seu natural e ímpar talento - até então nunca visto - para as corridas de fundo. Lázaro saltou para a ribalta em 1908, um ano tumultuoso para Portugal, ano em que o rei D. Carlos - um profundo amante das atividades desportivas - e o príncipe herdeiro Luís Filipe foram assassinados em pleno Terreiro do Paço (Lisboa) pelos "defensores" do republicanismo.

Mas para Francisco Lázaro, um rapaz de origens pobres, carpinteiro de profissão, 1908 foi o ano do arranque de uma curta mas gloriosa carreira enquanto maratonista. O jornal Tiro e Sport organizava a primeira maratona portuguesa, uma corrida de 24 km que seria ganha de forma sensacional - e arrasadora - por Lázaro, que deixou a concorrência a léguas de distância! Motivos de doença afastaram-no da prova de 1909, mas no ano seguinte haveria de voltar e provar que o triunfo de 1908 não fora obra do acaso. Em 1910 a organização alargava a maratona para 42 km, uma meta impossível de alcançar para um ser humano, diziam as vozes da época. Mas não para Francisco Lázaro, que treinava diariamente entre Benfica, onde morava, e a Travessa dos Fiéis de Deus no Bairro Alto, onde exercia a sua atividade profissional. Mais uma vez de forma magistral venceu a maratona, com o tempo de 2h57m35s, deixando o segundo classificado a mais de 15 minutos de distância! Como não há duas sem três em 1911 vence de novo a maratona portuguesa, desta feita com o registo de 3h09m57s, e por esta altura o seu nome era já enaltecido nos quatro cantos de Portugal. Já com as cores do Lisboa Sporting Clube, emblema que o acolheu após a saída do Sport Lisboa e Benfica, voltou a criar espanto e admiração na multidão que o idolatrava por aqueles dias, ao vencer a maratona lusitana de 1912 com um tempo recorde de 2h52m08s (!!!), um registo notável que desde logo fazia dele um forte candidato a vencer a maratona dos Jogos Olímpicos, que nesse ano teriam lugar em Estocolmo.

As esperanças lusas no sucesso de Lázaro eram bem reais, atendendo ao facto de que o fundista lisboeta havia gasto 2h52m08s para percorrer uma distância de 42,2km enquanto que o último campeão olímpico da maratona, o norte-americano John Hayes, havia registado nos Jogos de Londres - quatro anos antes - o tempo de 2h55m18s a percorrer uma distância de 42,196km! Números que deixavam o sonho de Lázaro tão perto da realidade.

Corrida para a morte

Em Estocolmo Portugal fez a sua primeira aparição olímpica. A delegação lusa foi composta por Fernando Correia (esgrima), Joaquim Vital, António Pereira (ambos atletas de luta), António Cortesão, António Stromp, e Francisco Lázaro, estes três últimos ligados ao atletismo. Por tudo o que havia construído até ali as esperanças na conquista de uma medalha estavam, como já vimos, todas depositadas no humilde carpinteiro de Benfica, cuja prova de fogo estava marcada para o dia 14 de julho, o grande dia, o dia da maratona.

O país esperava impaciente a estreia do ilustre atleta, que sabendo das elevadas espectativas dos seus conterrâneos encarou a maratona olímpica como uma questão de... vida ou de morte. Fisicamente Lázaro estava bem, segundo relatos da época almoçou por volta das 10h00, e apresentava um espírito para lá de confiante num bom resultado, o mesmo é dizer, ganhar. Foi levado em seguida, de automóvel, para o estádio olímpico, que era beijado por um calor sufocante, com o termómetro a marcar 32º à sombra!

Os maratonistas faziam o seu aquecimento na pista, todos menos... Francisco Lázaro! Armando Cortesão e Fernando Correia, membros da comitiva portuguesa, estranharam a ausência do fundista, tendo minutos depois encontrado Lázaro ainda no balneário a untar o corpo com... sebo! Questionado porque o fazia o atleta respondeu que era para evitar a perda de líquidos por transpiração, e percebendo que aquela atitude poderia causar uma desgraça (o sebo poderia tornar-se fatal devido ao sobreaquecimento orgânico) os dois elementos da delegação lusa tentaram de pronto dar-lhe um banho rápido para limpar o sebo, mas em vão. Francisco Lázaro rápido correu para a pista ao mesmo tempo em que repetia vezes sem conta a seguinte promessa: «Ou ganho, ou morro».

Às 13h48 dá-se o tiro de partida, e de pronto Francisco Lázaro coloca-se na frente da corrida, com o corpo todo besuntado de sebo, que tapava os poros da pele tapados, ao mesmo tempo em que contrariamente aos outros 71 concorrentes nem sequer levava uma boina a proteger a cabeça do sol abrasador que se abatia sobre Estocolmo. De forma estratégia os outros membros da comitiva portuguesa foram colocados ao longo do percurso para dar apoio a Lázaro, e ao quilómetro 15 quando passou por Joaquim Vital era 27º com um atraso de 4 minutos para o líder da corrida. Aos 25km era 18º, e estava cada vez mais perto dos homens da frente.

Bebia sofregamente a água que lhe era dada pelos seus conterrâneos, aos mesmo tempo em que dizia vezes sem conta que se sentia bem. Porém, a tragédia aconteceu já muito perto do fim, ao quilómetro 30. Fernando Correia, o chefe da missão portuguesa relatava dias depois para a revista Sports Ilustrados o episódio: «Os meus companheiros que estavam ao quilómetro 35 esperavam impacientes, sem ver Lázaro. Armando Cortesão, que estava a 2km do estádio para o ajudar no sprint final, veio ter comigo. Eu, no estádio, não compreendia a demora. Meti-me num automóvel com o Cortesão e segui pela estrada. Em vários automóveis vinham vários corredores estropiados mas nenhum deles era o Lázaro. Vi levantar os postos de controlo e retirar a força armada que policiou a pista. E Lázaro? Ninguém sabia dele. Regressei e na estrada encontra-mo-nos com o nosso embaixador (António Feijó). Já conhecedor da tragédia, procurava-nos. No seu automóvel seguimos para o hospital... Ali soubemos que o infeliz campeão tinha sido fulminado com um insolação ao quilómetro 30, que um médico o tinha recolhido e em automóvel o levado ao hospital: que três médicos o medicavam com carinho e já na estada lhe tinham aplicado gelo sobre a cabeça. Interrogámos o chefe da clínica, que gentilmente nos respondeu que tinha uma meningite declarada, possivelmente derrame nas meninges, motivada por um fulmimante coup de soleil». 
Francisco Lázaro viria a falecer no dia seguinte, às 6h30 da manhã. O sonho de vencer a medalha levou-o à dura realidade da morte. O país recebeu a notícia e chorou dias a fio. O corpo do atleta chegou a Lisboa dois meses depois do trágico dia. Atracou no Tejo a bordo do Vendysset, tendo sido recebido por um mar de gente, como nunca se havia visto por aquelas bandas. O cortejo fúnebre demorou quatro horas a percorrer as artérias que ligavam o Terreiro do Paço - o mesmo onde quatro anos antes assistiu e chorou a morte de D. Carlos e D. Luís Filipe - ao cemitério de Benfica. Lisboa parou nesse dia, tendo sido inundada pelas lágrimas que corriam pela face do povo dizia adeus ao seu herói. No rescaldo do triste acontecimento os jornais da época escreviam que: «Francisco Lázaro teve na morte a consagração que merecia. O seu nome ficará perpetuado através dos tempos a coragem de um homem meridional, a pertinácia de um atleta e a energia de um português modesto de nascimento e que tão grande era nas determinações da sua vontade, em actos de coragem e amor à sua terra». 

Francisco Lázaro pode até nem ter sido o primeiro campeão olímpico português, mas não há dúvidas de que foi o primeiro grande herói - desportivo - da brava nação lusitana. Louco, é certo, mas herói.

 Vídeo: Documentário biográfico de Francisco Lázaro

Legenda das fotografias:
1-Francisco Lázaro
2-Com o peito coberto de medalhas
3-Correndo a maratona que o levaria à morte (Lázaro é o atleta da direita)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Canoagem portuguesa de "prata" nos Jogos Olímpicos de Londres/2012

O Museu Virtual do Desporto Português abre hoje propositadamente as suas portas para evocar mais um feito histórico alcançado pelos atletas lusitanos no maior evento desportivo do planeta: as Olimpíadas. Hoje, 8 de agosto de 2012, uma data que ficará gravada a letras de ouro na "grande enciclopédia" do desporto português, o dia em que Emanuel Silva e Fernando Pimenta entraram definitivamente para o Olimpo dos Deuses do nosso desporto, depois de terem alcançado a 2ª posição na final de K2 1000m masculinos em canoagem, prova inserida nos Jogos Olímpicos que por estes dias decorrem em Londres. Na magnífica pista de Eton Dorney a dupla portuguesa conquistou uma inédita medalha de prata para a canoagem lusitana, aliás, inédita em todos os sentidos, pois este foi a primeira medalha de sempre obtida por Portugal nesta modalidade no seio das Olimpíadas. Emanuel Silva e Fernando Pimenta fizeram desde início uma prova magistral, patenteando uma raça e uma entrega ímpares, deixando para trás alguns rivais de peso, que por certo, não contavam com este "atrevimento" dos portugueses, os quais terminaram a prova com um tempo de 3:09,699 minutos, a escassos 53 centésimos de segundo (!!!) da dupla vencedora, os alemães Rudolf Dombi e Roland Kokeny. No final da corrida os canoístas lusos não cabiam em si de alegria, como seria de esperar, já que este foi o ponto mais alto da sua carreira, pese embora tivessem confessado posteriormente que a prata acabou por saber a pouco, uma vez que o ouro fugiu a uns curtos centésimos de segundo, como já referimos.

Biografias...

Emanuel Silva, apesar dos seus 26 anos, é o mais experiente dos dois atletas, participando na sua terceira edição dos Jogos Olímpicos, depois de Atenas (2004) e Pequim (2008). Nasceu nos arredores de Braga, mais concretamente em S. Paio de Merelim, a 4 de dezembro de 1985. É detentor de um vasto e rico currículo não só na canoagem nacional como internacional, sendo neste último patamar de sublinhar as medalhas obtidas no Campeonato do Mundo de Juniores de 2003, em Komatsu (Japão), onde alcançou o ouro na prova de K1 500m, e a prata na corrida de K1 1000m. Como sénior atingiu o estrelato ao classificar-se com apenas 19 anos para as Olimpíadas de Atenas, em 2004, onde surpreendeu tudo e todos ao atingir a final de K1 1000m, tendo alcançado um memorável 7º lugar. Em 2005 vence o Campeonato da Europa sub-23 anos em K1 1000m, e neste mesmo ano alcança a sua primeira medalha enquanto atleta sénior, um feito ocorrido na cidade polaca de Poznan, onde arrecadou o bronze na sequência do 3º lugar de K1 1000m. No ano seguinte é de novo campeão da Europade sub-23 anos em K1 1000m, e em 2011 alcança novo feito no escalão de seniores, desta feita em K4 1000m, ao subir ao lugar mais alto do pódio na Taça do Mundo que decorreu em Poznan. Hoje, em Londres, no maior evento desportivo do planeta, atingiu, como já vimos, e nunca é demais relembrar, o ponto mais alto da sua carreira, a MEDALHA DE PRATA.

Fernando Pimenta é o mais novo destas duas novas lendas do desporto português. Nasceu em Ponte de Lima a 13 de agosto de 1989, e até chegar a Londres tinha como principal cartão de visita uma medalha de ouro em K4 1000m masculinos nos campeonatos da Europa realizados em 2011 na cidade sérvia de Belgrado.

Vídeo: FINAL DE K2 1000M DOS JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A atribulada conquista da primeira medalha olímpica

Foi nos "braços" da deslumbrante Paris que Portugal sentiu pela primeira vez o perfume de uma medalha olímpica. 1924 foi ano desse momento mágico do desporto lusitano, o ano em que um grupo formado por cavaleiros do exercito e cavaleiros civis conquistou então para o nosso país a primeira medalha no seio daquele que era já considerado por muitos como o maior evento desportivo do planeta: os Jogos Olímpicos.

Mas como é apanágio da nação portuguesa este foi um feito que esteve longe de ser alcançado com tranquilidade, digamos assim. Na entrada para os anos 20 do século passado Portugal vivia mergulhado numa grave recessão económica - onde é que já ouvimos isto! -, a moeda desvalorizava a pique ao mesmo tempo que o número de pedintes disparava como uma flecha nas artérias das principais urbes da nação. Cenário arrepiante que não impedia o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Pontes, de sonhar em levar a missão lusitana ao grande palco de desporto mundial.

Não foi contudo uma tarefa fácil, até porque o país estava de bolsos vazios, e a maior parte dos governantes não via com bons olhos dispensar os poucos recursos que dispunha para custear a deslocação portuguesa a Paris. José Pontes não desistiu, bateu a todas as portas que viu pela frente na tentativa de juntar os 300 contos calculados pelo COP no orçamento para tornar o sonho Paris uma realidade. Pediu "aqui e ali", suplicou a políticos que não virassem a cara ao sonho olímpico português, e do Ministério da Instrução acabou por receber uma ajuda de 110 contos. Não chegava. Fizeram-se peditórios, e a boa vontade do Presidente da República de então, Teixeira Gomes, acabou muito a custo por resolver a questão, ao colocar do seu próprio bolso o dinheiro que faltava para Portugal ir a Paris. Ao contrário do que sucedeu em 1900 Paris acolheu os Jogos Olímpicos com outra atitude, encarando-os de um modo mais sério... e pomposo.

Construíram-se novas infraestruturas, com realce para o magnífico Estádio des Colombes, e a piscina de Tourelles. Pela primeira vez na história do evento era edificada uma aldeia olímpica, um espaço reservado para alojar os atletas participantes. Não foram portanto poupados esforços, e francos (!), para que a bela Paris limpasse a má imagem deixada durante os Jogos Olímpicos de 1900. E Portugal lá estava, de bolsos vazios, mas lá estava, entre os melhores atletas do Mundo. A ambição de elevar o nome da nação bem alto era partilhada pela missão lusitana, onde se viria a destacar um grupo de quatro cavaleiros, constituído pelo capitão Mouzinho de Albuquerque, o tenente Hélder Martins, Aníbal Borges de Almeida, e Luís Margaride, quatro nomes que no hipismo haveriam de fazer história. Atribulada,seria no entanto esta façanha, como aliás havia sido a presença lusitana na capital francesa.

Hebraico, o famoso cavalo do melhor cavaleiro português da altura, Mouzinho de Albuquerque, adoecera pouco antes do início dos Jogos, pelo que teve de ser alimentado a açúcar até às vésperas da prova, privando-se da habitual ração que lhe conferia a energia suficiente para vencer os obstáculos. Outro dos cavalos do contingente luso havia sido... emprestado (!) por um abastado e solidário homem português, Reinaldo Pinto Bastos, de seu nome, que em prol da pátria cedeu o seu precioso animal. Mas, mesmo com todas estas adversidades Portugal surpreendeu tudo e todos ao conquistar o 3º lugar na prova de obstáculos.

Entre 50 concorrentes à partida 34 conseguiram terminar a dura prova, e o conjunto luso fê-lo no 3º lugar, com um total de 53 pontos somados, mais três do que a Suíça, ao passo que a Suécia ficou no 1º posto com um total de 42,5 pontos. Com este magnífico resultado Portugal conquistava a MEDALHA DE BRONZE, A SUA PRIMEIRA MEDALHA OLÍMPICA DA HISTÓRIA. E a cor da medalha até podia bem ter sido outra, caso o lendário Hebraico não tivesse adoecido dias antes do início da prova, conforme lamentaria posteriormente o grande cavaleiro português Mouzinho de Albuquerque, um dos artesãos desta inesquecível epopeia lusitana.

(Nota: em cima a histórica fotografia dos conquistadores da não menos histórica medalha de bronze em Paris: da esquerda para a direita: Luís Margaride, Mouzinho de Albuquerque, Manuel Latinos (chefe de equipa), Aníbal Borges de Almeida, e Hélder Martins).

terça-feira, 19 de junho de 2012

A façanha olímpica dos irmãos Bello


País de tradições marítimas Portugal cedo abraçou a prática da vela enquanto modalidade desportiva. A História aponta para meados de 1850 como o ano em que sob a influência da colónia britânica radicada no nosso país a modalidade viu a luz do dia em águas lusitanas. Dai para a frente a vela tornou-se popular por estas bandas, sobretudo entre os membros das classes mais abastadas do país, tendo a baía de Cascais como cenário predileto para o seu desenvolvimento.

Com o passar dos tempos o aperfeiçoamento técnico da modalidade interpretado pelos velejadores portugueses foi sendo cada vez mais notório tanto a nível nacional como internacional. E neste último capítulo a primeira página de ouro escrita pela vela portuguesa foi dada talvez em 1948, no seio do maior evento desportivo do planeta, os Jogos Olímpicos, que nesse ano decorreram em Londres. Vela que juntamente com o remo, o tiro, a esgrima, a natação, o hipismo, e o atletismo foi uma das modalidades representadas pela delegação portuguesa nas Olimpíadas londrinas. E entre os velejadores lusitanos figuravam dois notáveis intérpretes da modalidade, os irmãos Bello, Fernando e Duarte.

Ambos nasceram em Lourenço Marques, em Moçambique, tendo Duarte vindo ao Mundo a 26 de julho de 1921, ao passo que o seu irmão Fernando tem 1 de setembro de 1924 como a data do seu nascimento. Descendentes de uma família ligada ao mar, o avô de ambos dirigia uma carreira de barcos à vela, cedo se deixaram fascinar pelos barcos. Dos dois irmãos, Duarte Bello foi talvez o mais talentoso na prática da modalidade. Reza a história que aos 15 anos não tinha adversários à sua altura em Portugal, demonstrando uma coragem ímpar para enfrentar os ventos fortes que sopravam sobre os mares lusitanos. Nos tempos de universitário - viria a formar-se em engenharia - notabilizou-se na classe lusito, sendo que por volta de 1940 convence o seu pai a comprar um barco classe star com o qual alcançou grandes êxitos nacionais e internacionais.

Mas seria na classe swallow que atingiria o "topo do Mundo", precisamente nesses Jogos Olímpicos de 1948. Em Torquay, a cerca de 300 km de Londres, Duarte Bello e o seu irmão Fernando entraram definitivamente para a história do desporto português na sequência da conquista da medalha de prata dessa competição. A primeira medalha de prata olímpica conquistada por Portugal, um facto que tornou ainda mais célebre e imortal o feito da dupla lusitana. Aspeto curioso nesta epopeia reside no facto de o barco utilizado pelos irmãos Bello na regata que levaria à conquista da prata ter sido emprestado! Simphony era o nome do barco com o qual os dois portugueses ficaram a apenas 11 segundo do ouro olímpico, arrecadado pela dupla inglesa composta por David Bond e Stuwart Morris.

Os irmãos Bello tentariam repetir a façanha protagonizada em Londres nas Olimpíadas seguintes, embora sem o sucesso pretendido. Em 1952, nos Jogos de Helsínquia, foram 4ºs, posição esta repetida pelo irmão mais velho dos Bello quatro anos mais tarde em Melbourne, desta feita na classe star. Os irmãos Bello voltariam a competir juntos nos Jogos de 1960, ocorridos em Roma, não indo contudo além de um modesto 16º lugar na classe 5,5 metros. A última presença de ambos no maior evento desportivo global seria em 1964, em Tóquio, onde atingiriam um 9º lugar na classe star.

O vasto currículo dos Bello na vela desportiva não se restringe às participações olímpicas, muito pelo contrário, sendo que Duarte - que juntamente com Henrique Calado (hipismo), é o atleta luso que mais vezes esteve presente nos Jogos Olímpicos, 5 no total - conquistaria uma medalha de ouro no Campeonato da Europa de 1962, 5 medalhas de prata em outros tantos campeonatos da Europa (1950, 1953, 1954, 1956, e 1957), 2 medalhas de prata em campeonatos do Mundo (1953, e 1962), e uma medalha de bronze no Campeonato do Mundo de 1952. Em termos nacionais venceu 8 campeonatos nacionais (1941, 1947, 1953, 1959, 1961, 1962, 1964, e 1965). Conquistas estas alcançadas na classe star.

Já o seu irmão foi medalha de ouro no Campeonato do Mundo de 1953 (na classe snipe), medalha de ouro no Campeonato da Europa de 1962 (classe star), medalha de prata no Campeonato do Mundo de 1962 (também na classe star), e consagrou-se por 10 ocasiões campeão nacional na classe star (1941, 1944, 1947, 1949, 1959, 1961, 1962, 1963, 1964, e 1965).

(Nota: Na imagem pode ver-se os irmãos Bello após a conquista da medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Efemérides (2)...

 O primeiro combate de boxe em Portugal

Aproveitando a visita virtual à maior lenda do boxe português (José Santa Camarão) viajamos a bordo da Máquina do Tempo até 1909, ano que é apontado pelos historiadores ligados ao fenómeno desportivo como aquele em que pela primeira vez foi realizado um combate em Portugal.
Um facto ocorrido no dia 4 de junho do longínquo ano, altura em que o Campo Pequeno (em Lisboa) acolheu o combate entre o norte-americano Sam MacVea, um dos melhores do planeta daquela altura, e o irlandês Drumond, pugilista que foi posto fora de combate ao oitavo assalto.

O gentil gigante do boxe português

Ovar, bela localidade vareira localizada no centro-norte do nosso Portugal, famosa entre as gentes lusitanas pelo seu animado carnaval e pelo delicioso pão-de-ló. Para muitos estas são as duas maravilhas desta ilustre cidade. Mas como diz o velho ditado "não há duas sem três", e também Ovar possui uma terceira maravilha que constitui um dos grandes tesouros do desporto lusitano.

Aqui nasceu José Santa, ou melhor Santa Camarão, a maior lenda do boxe português cuja estrela brilhou nos maiores ringues da Europa e da América nas décadas de 20 e 30 do século XX. José Soares Santa, de seu nome completo, veio ao Mundo no dia de Natal de 1902, numa modesta casa da Rua Visconde de Ovar, filho de um fragateiro (António Soares Santa) e de uma padeira (Josefa Pereira dos Santos), e desde o seu primeiro minuto de vida atraiu até si focos de atenção. Reza a lenda que José Santa nasceu com um tamanho deveras invulgar, afigurando-se como um pequeno gigante, o que terá provocado uma autêntica romaria por parte dos vizinhos a sua casa para verem aquele "pequeno grande" fenómeno da natureza.

Ao lado de sua mãe viveu na sua terra natal até aos 11 anos de idade, altura em que o pai o chama para Lisboa para junto dele iniciar o ofício de fragateiro. Tratado carinhosamente por camarãozinho - dado que Camarão era a alcunha de seu pai - pelos colegas mais velhos que consigo trabalhavam arduamente nas docas do Tejo, José Santa tornou-se com o passar dos anos num verdadeiro gigante. Do alto dos seus 2,06m (!) e dos seus maciços 120 kg (!!!) Santa travou aos 19 anos de idade conhecimento com a arte que viria a ser o seu passaporte para o estrelato internacional: o boxe. Corria o ano de 1921 quando um certo dia o lutador Manuel Grilo apercebendo-se do autêntico diamante em bruto que ali estava o convenceu a participar num combate no Coliseu dos Recreios.

O casamento entre José Santa e o boxe deu-se algum tempo mais tarde, no Porto, altura em que Alexandre Cal (figura ligada ao mundo da luta) o convenceu em definitivo a calçar as luvas de uma forma mais séria. E seria dessa forma que nesse ano de 1921 derrotaria Joaquim Branco no Palácio de Cristal, tendo a partir dai o nome de Santa Camarão - pelo qual se apresentou em ringue - saltado para as páginas dos jornais e consequentemente para as bocas do povo. Dali ao sucesso o caminho não foi muito longo já que em 1925 José Santa era já campeão de Portugal em todas as categorias (!). Nesse ano específico teve agendados 19 combates, tendo vencido 17, perdido apenas um (por pontos), e visto outro ser anulado. Graças a este impressionante cartão de visita partiu para o Brasil onde durante 3 anos fez fortuna graças ao boxe.

Regressaria a Portugal em 1929 com um currículo de vitórias maior do que aquele que tinha conseguido quando havia partido para "terras de Vera Cruz" em 1926. E no regresso à pátria Santa Camarão derrotaria grandes boxeurs internacionais, casos de Humbeeck e Barrick. Nesse mesmo ano esteve a um curto passo de derrotar o belga Charles, nada mais nada menos do que o campeão da Europa em título, que só levaria a melhor sobre Santa Camarão no desempate por pontos. De 1925 a 1929 contabilizou 38 combates, tendo ganho 31, perdido somente 5 (aos pontos), e visto outros 2 serem anulados. Notável!

Ídolo na América

Perante isto Portugal e a Europa eram já demasiado pequenos para o talento de Santa, e no início da década de 30 emigrou para o país onde o boxe é "rei", os Estados Unidos da América. Ali lutou de igual para igual com os melhores do Mundo. Os seus punhos de ferro tornariam-no num ídolo dos ringues norte-americanos, levando a imprensa daquele país onde o boxe desperta paixões arrebatadoras a compara-lo a um arranha-céus, a um Sansão! Como já dissemos durante a sua estadia na América do Norte Santa Camarão lutou com os melhores, como Primo Carnera ou Max Schmeling, último pugilista este que haveria de se consagrar campeão do Mundo. Atuou nos melhores palcos do boxe norte-americano, caso do mediático Madison Square Garden, de Nova Iorque.

Título mundial que podia muito bem ter sido ganho por Santa Camarão, como muita da imprensa da época fazia questão de timbrar nos jornais, já que arte para o conseguir não lhe faltava. Não calhou, disseram na altura muitos dos que o viram em ação. Com o alemão Max Schmeling teve uma incursão no cinema, participante nos filmes Amor ou Ringue e O Boxeur e a Mulher, desempenhos que lhe valeriam mais tarde um convite para ir para Hollywood encetar uma carreira de ator, hipótese que José Santa nunca sequer considerou, até porque da América estava ele farto, além de que as saudades do seu país, e em concreto da sua terra natal, falavam já mais alto do que tudo.

Cansado das lutas regressa então em 1934, e consigo traz Mary Loreta, a mulher que conhecerá nos Estados Unidos e com quem por lá se casou. Já em Portugal nasceria o seu único filho, de nome Arnaldo de Oliveira Santa, que anos mais tarde partiu para os Estados Unidos com sua mãe após a separação desta com Santa Camarão. E em Ovar o herói do boxe lusitano viveu até ao fim dos seus dias, gozando dos rendimentos que obtivera em terras americanas, que lhe haviam permitido fazer alguns investimentos, como a compra de alguns imóveis que posteriormente viria a arrendar.

Olhado como um Deus pelas gentes da sua terra - e não só - José Santa foi sempre um modelo de homem humilde, sempre gentil e bondoso para com o seu semelhante, qualidades reconhecidas por todos os que privaram com ele até ao dia 5 de abril de 1968, dia em que travou o seu último combate, o combate com a vida, o qual viria a perder.

Vídeo: Cena do filme Amor ou Ringue, onde Santa Camarão luta com Max Schmeling

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O pólo aquático lusitano nos Jogos Olímpicos!

Se pudesse escolher uma segunda modalidade de eleição talvez a minha opção fosse para o pólo aquático. Admiração que surgiu naturalmente depois de épocas sobre épocas a fazer a cobertura de jogos a contar para o quase despercebido Campeonato Nacional da 1ª Divisão portuguesa. Infelizmente quase despercebido da grande plateia desportiva lusa, bem longe das luzes do mediatismo de outras modalidades outrora classificadas como amadoras. Há que contudo enaltecer o trabalho que tem sido feito ao longo dos últimos anos por um punhado de amantes do pólo aquático em Portugal no sentido de trabalhar a modalidade a fundo e coloca-la num patamar mais elevado, como tão bem merece.

Dada a pequena dimensão, por assim dizer, da modalidade em Portugal seria hoje em dia impensável ver a seleção nacional da nação lusitana participar num torneio alusivo aos Jogos Olímpicos, por exemplo! Futebolisticamente falando - e lá surge mais uma vez o tema "futebol" (!), paixão eterna esta sempre presente no meu dia a dia - seria o mesmo que ver Malta marcar presença na fase final de um Campeonato do Mundo. Porém há sonhos que por mais irreais que possam parecer, por vezes acabam por ser realidade.

E para conhecermos um desses sonhos bem reais viajamos até 1952, ano em que Helsínquia recebeu os Jogos Olímpicos, tendo o pólo aquático sido uma das muitas modalidades ali exibidas. Torneio olímpico de pólo aquático que foi composto por 21 seleções, entre as quais... Portugal. É verdade, a seleção lusa esteve presente em Helsínquia, naquele que talvez seja olhado como o maior feito da modalidade no nosso país. Na altura Portugal vivia um período positivo no que concerne a esta modalidade, muito devido ao excelente trabalho que era desenvolvido pelo Algés, pela mão de um experiente treinador húngaro de nome Emeric Sacz. Não foi de estranhar então que os bons resultados averbados pelo Algés - a nível nacional e internacional - fizessem com que a Federação Portuguesa de Natação - órgão que tutela o pólo aquático em Portugal - tivesse delegado naquele clube a tarefa de representar o país em Helsínquia! O Algés passou a ser Portugal, apenas e só uma mudança de denominação, já que tudo o resto, jogadores e treinador, foi mantido.

A viagem até à capital finlandesa demorou uma semana a boro do navio Serpa Pinto, no qual viajaram os cerca de 70 atletas que compunham a delegação portuguesa. Sete deles pertenciam ao pólo aquático, nomeadamente Máximo do Couto, Francisco Alves, Armando Moitinha de Almeida (para muitos o melhor jogador português da época), Rodrigo Bessone Basto, João Franco do Vale, João Manuel Correia, e Óscar Cabral. A aventura foi porém curta, muito curta. No primeiro jogo o adversário foi o Egito, que cilindrou a armada lusitana por 10-0. Cansaço da longa viagem? Falta de treinos? De tudo um pouco serviu para justificar esta entrada desastrosa de Portugal nas Olimpíadas. O segundo e último jogo não correu melhor, já que o Brasil bateu Portugal por 6-2, resultado que enviou definitivamente os lusos para casa.
A experiência pode ter sido curta, mas assinalou a página mais brilhante da história do pólo aquático lusitano.

Ah, o torneio olímpico de 52 foi ganho pela Hungria, uma das seleções mais poderosas do planeta.
Em cima a imagem da comitiva portuguesa de pólo aquático que agregava ainda alguns nadadores

Bibliografia: Pólo Aquático - 55 anos de selecção (Lobo, Nuno, 2007)