sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Xavier de Araújo: o desportista dos "Sete Ofícios" que deu vida ao rugby português

Xavier de Araújo
A lenda remete-nos para o ano de 1823, referindo que no decorrer de um match de football disputado por alunos da Rugby School o jovem William Webb Ellis terá agarrado - inexplicavelmente! - a bola com as mãos e com ela percorrido parte do terreno do jogo em direção à baliza contrária enquanto os seus adversários e colegas o tentavam agarrar. E assim nascia o rubgy! Pelo menos, esta é a versão mais popular, digamos assim, que historiadores afetos à modalidade recorrem para recordar o nascimento do rugby. Outros entendidos na matéria defendem que antes deste peculiar episódio outras escolas ingleses praticavam aquele que hoje um espetáculo desportivo que desperta paixões um pouco por todo o planeta, com especial incidência no Reino Unido e nos países do hemisfério sul. Mas não é a pergunta "como, quando e onde nasceu o rugby?" que faz hoje o Museu Virtual do Desporto Português abrir as suas portas, mas antes como é que a modalidade atracou no nosso país. E também aqui residem algumas dúvidas, já que vários autores apontam a data de 11 de dezembro de 1903 como o primeiro vestígio do rugby em terras lusas, um momento expresso num match ocorrido nos terrenos da Cruz Quebrada entre cidadãos ingleses a residir no nosso país - de um lado oficiais britânicos e do outro o Lisbon Football Club, também integrado por súbitos de Sua Majestade.

No entanto, este e outros encontros que dali para a frente poderão ter-se desenrolado em solo lusitano não passavam de meros momentos lúdicos de trabalhadores e oficiais ingleses que aqui assentaram arraiais. Um cenário que de certa forma se equipara aos primeiros anos do futebol em Portugal, em que os ingleses do Cabo Submarino deram um forte impulso para que a modalidade ganhasse raízes por estas bandas.
Mas tal como no futebol também o rugby teve uma figura central no que concerne à sua implementação e dinamização em território luso. E se no desporto rei essa figura foi Guilherme Pinto Basto, no rugby esse ilustre cidadão foi Francisco Xavier de Araújo. Uma curiosidade salta desde logo à vista quando recordamos estas duas personalidades da história do desporto português: ambos foram desportistas multifacetados. Por outras palavras, praticaram de forma exímia inúmeras modalidades, sendo reconhecidos e admirados como verdadeiros sportsman. Outro ponto comum reside no facto de ambos terem estudado nas ilhas britânicas e ali terem travado conhecimento com o sport - com o futebol, o rugby, o ténis e o críquete em destaque - e desenvolvido aptidões - e paixões - para que no regresso à pátria implementassem algumas destas modalidades no quotidiano português. No caso de Xavier de Araújo essa incursão estudantil ao Reino Unido aconteceu quando este cidadão nascido em São Tomé e Príncipe (a 6 de abril de 1892) tinha 17 anos, tendo cursado Engenharia Eletrotécnica nas universidades de Manchester e de Glasgow. Concluídos os estudos Xavier de Araújo regressou a Portugal, tendo, como já foi referido, expressado a sua paixão e talento pelo desporto em modalidades como o futebol, o atletismo, o boxe, o críquete, a luta greco-romana, a natação, o remo, o ténis e o rugby, defendendo com brio as cores de emblemas como o Belenenses, o Clube Internacional de Futebol (CIF), o Académico do Porto, o Ginásio Clube Português, o Carcavelinhos, o Sporting, o Benfica, o Braga, o Royal Football Club, entre muitos outros. Um verdadeiro desportista!

É contudo ao rugby que o seu nome mais se destaca, já que ele foi muito provavelmente o principal impulsionador da modalidade no início da década de 20 do século passado. Corria o ano de 1922 quando o Royal Football Club implementa no seu seio o rugby, sendo que por trás desta ideia esteve Xavier de Araújo. A 22 de março desse ano os portugueses têm oficialmente contacto pela primeira vez com a modalidade, na sequência de um jogo entre o Royal e os ingleses do Carcavelos. E melhor estreia não se podia pedir, já que o Royal levou a melhor sobre os mestres ingleses por 9-3. Uma partida onde terá também participado outra figura que deu um forte contributo para a dinamização do rugby em Portugal, não só pelos ensinamentos técnico-táticos do jogo como também pelos aprofundados esclarecimentos sobre as regras do mesmo. Falamos de Maurice Baillehache, um cidadão francês cujo passado guardava o facto de ter sido capitão da famosa equipa do Havre Athletic Club e da seleção da Normandia. As sementes estavam lançadas, não sendo de estranhar que alguns meses mais tarde, em outubro mais concretamente, os frutos tivessem começado a nascer: o Sporting criava a secção de rugby, impulsionado precisamente por Baillehache e por Salazar Correia, último elemento este que havia tomado conhecimento com a modalidade no pioneiro Royal. Não demorou muito tempo para que estas duas equipas medissem forças no campo de batalha, facto ocorrido a 11 de novembro, com o triunfo a sorrir aos leões por 10-0. Dali para a frente outros clubes juntaram-se à aventura do recém-nascido rugby português - como o CIF, Benfica, ou Ginásio Clube Português, por exemplo -, e aos poucos a modalidade começou a institucionalizar-se, isto é, foram com naturalidade criadas as primeiras competições oficiais sob a égide de organismos próprios, fundados com o propósito de tutelar a modalidade. Neste campo específico, o primeiro organismo a ser criado foi a Associação de Rugby de Lisboa, em dezembro de 1926, a qual, a título de curiosidade, organizou o primeiro campeonato oficial da história do rugby luso: o Campeonato de Lisboa, em 1927, o qual seria ganho pelo Sporting. Ainda no rol das curiosidades é de sublinhar o ano de 1935, mais concretamente o dia 13 de abril, no qual ocorreu o batismo internacional de Portugal enquanto seleção. Facto ocorrido em Lisboa, cidade que acolheu um Portugal - Espanha, com o triunfo a sorrir a nuestros hermanos por 6-5. A fortalecer a influência de Xavier de Araújo na história do rugby português fica o facto desta ilustre figura ter capitaneado o XV luso neste célebre duelo ibérico. Após ter abandonado os campos enquanto atleta, Xavier de Araújo deu seguimento ao seu papel de dinamizador do rugby em Portugal, contribuindo agora com os seus conhecimentos técnico-táticos junto dos mais jovens, na qualidade de treinador, tendo orientado equipas como a Agronomia, o Técnico ou a Academia Militar. Esta incursão de Xavier de Araújo junto da comunidade estudantil foi, aliás, preponderante para dar continuidade ao crescimento do rugby português, já que hoje em dia são sobretudo as equipas universitárias que dão vida à modalidade no nosso país.

Voltando atrás nesta nossa viagem ao passado é de relembrar que Xavier de Araújo foi um desportista multifacetado, praticando de forma exímia diversas modalidades. Uma em que também se destacou com reconhecida veia artística foi a patinagem, sendo ainda hoje lembrado o facto de ter ensinado nas imediações do Jardim Zoológico de Lisboa largas centenas de jovens a manusear os patins. Talvez por isso, uma das artérias que circundam o Zoo da capital tenha sido batizada com o seu nome. Mas não se ficam por aqui as vénias públicas, passe a expressão, à pessoa de Francisco Xavier de Araújo, já que em 1977 foi galardoado com o prestigiado Diploma de Honra do Troféu Internacional Pierre de Coubertin, tendo um ano mais tarde sido condecorado com a Medalha de Mérito Desportivo por parte do Comité Internacional de Fair-Play. Xavier de Araújo viria a falecer em Lisboa, a  8 de setembro de 1987, sem ter tido a oportunidade de vinte anos mais tarde ver ser escrita a página mais bela da história do rugby português: a participação da seleção nacional no Campeonato do Mundo.

2 comentários:

  1. Tive o privilégio de ter sido seu aluno, o que muito me sensibilizou pela maneira gentil e profissional dos seus métodos de ensinamento. Há relativamente pouco tempo, tive a oportunidade de ver no Ginásio Clube Português imagens, quando jovem, de praticante de futebol. Uma enorme saudade e um profundo reconhecimento por Xavier Araújo, um homem diferente, solidário e amigo de todos. Alberto Helder

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